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When these children go to the first grade, they still do not know how to speak Vietnamese and their teachers do not understand them. However, at the same time, their mothers speak in English with the tourists. The lack of a bilingual teaching system is what makes Vietnamese minorities poorer and ostracized, according to UNICEF. But tourism development may be changing that scenario.

By Ioli Campos

Read below the full text in Portuguese, published in Tabu magazine (10/2010)


 

Três raparigas anafadas e baixas correm na direcção do grupo de estrangeiros que se prepara para a caminhada até ao vale. As cores garridas dos casacos dos turistas contrastam com o negro das vestes destas mulheres. Elas têm a pele muito morena e os olhos rasgados à oriental. Sorriem muito ao aproximarem-se. Os raios de sol começam a luzir atrás das montanhas e o ar fresco da manhã transporta um aroma a erva molhada. Na mão trazem um guarda-chuva. É a época da monção e apesar de, para já, as nuvens não ameaçarem uma carga de água, sabem que o tempo pode mudar subitamente.

Estas raparigas fazem parte das pobres e excluídas minorias vietnamitas. São da tribo hmong negro e habitam nas terras altas do Vietname, quase na fronteira com a China – numa província que se chama Lao Cai.

No Vietname existem 54 grupos étnicos, cada um com os seus chapéus, roupas, penteados e casas diferentes. Enfim, cada tribo tem a sua cultura, história, modo de viver e língua. Os viet ou kihn, que formam a maioria da população (86%), e os Hoa (ou chineses) são os grupos que detém o maior poder económico, o acesso às infra-estruturas, cuidados de saúde e educação, de acordo com uma investigação conjunta da Universidade de Manchester e da Universidade de Delhi, publicada em 2007. Já entre as minorias o índice de pobreza é três vezes superior ao dos viet – 64,3% vive em condições de pobreza, sobretudo no Norte do país, em Lao Cai.

É uma zona montanhosa e o acesso aos hospitais e escolas torna-se muito mais limitado do que nas planícies que formam a paisagem do resto do país. Para frequentarem o ensino primário, muitas crianças são obrigadas a permanecer num regime de semi-internato, dada a distância a que a escola se encontra das suas aldeias.

Ponto de encontro

As três raparigas chegaram a Sapa bem cedo. Sapa é a principal cidade em Lao Cai onde as diversas tribos confluem em busca de abastecimentos e também vão para escoar os seus produtos. No mercado encontra-se quase tudo à venda – desde frutas e vegetais exóticos a carne de cão assada. Num edifício contíguo, um grupo de mulheres da tribo dao exerce os seus dotes de tecelagem no fabrico de mantas e trajes tradicionais. Na cabeça trazem um lenço vermelho que as distingue como sendo dos dao vermelhos. Os dao vieram da China para o Vietname há sete séculos e, ainda hoje, alguns membros desta etnia mantêm um estilo de vida nómada. Enquanto os hmong negro representam 0,8% da população total vietnamita, 0,6% são dao.

A poucos metros, noutra praça ao ar livre encontra-se artesanato local à venda. E nas lojas que ficam nas ruas principais é possível encontrar os têxteis tradicionais das minorias. Um dos melhores sítios, porém, para conhecer as diferenças entre os estilos arquitectónicos das várias etnias é na capital. O museu de etnografia de Hanoi tem uma área ao ar livre onde recrearam as casas tradicionais das várias tribos. Aí podem testemunhar-se as marcadas diferenças sem grandes caminhadas. Aqui, nas montanhas, para perceber essas diferenças de construção é necessário percorrer grandes distâncias pelos sinuosos caminhos.

Esse é, no entanto, um dos aspectos que atrai cada vez mais turistas, que costumam pernoitar em Sapa. A maioria desloca-se até este remoto local, não só à procura de um contacto com a natureza, mas também de uma experiência etnológica.

Sapa funciona assim como uma espécie de campo base para as várias caminhadas dos estrangeiros e um ponto de encontro das muitas culturas locais. Apesar da diversidade, é uma cidade tranquila e com ritmo de aldeia.

As raparigas conversam defronte de um hotel, aguardando pelos estrangeiros, quando estes saem já acompanhados de um guia. Mas isso não demove as jovens de os acompanharem ao longo de todo o dia.

Descem a encosta por estreitos trilhos entre os verdejantes arrozais plantados em socalcos nas encostas. Passam por uma escola com dormitório. É a hora do recreio e as crianças brincam animadamente lá fora. Alguns estrangeiros caminham pelo pátio e espreitam pelas janelas das salas de aula e dos quartos.

Escola desigual

Ainda no início de Setembro, a UNICEF alertava para as condições de privação e exclusão que afectam as minorias étnicas do Vietname. “Nos anos mais recentes assistiu-se a significativas melhorias no desenvolvimento da assistência à infância”, destaca, por outro lado, a agência noticiosa do Estado, Viet Nam News. A taxa de inscrição no ensino primário excede os 90% na maior parte do país, porém, entre as minorias étnicas esse valor não vai além dos 80%, segundo dados oficiais divulgados. Mesmo assim, até a agência de notícias nacional acrescenta que “as crianças das minorias étnicas enfrentam grandes obstáculos na obtenção de uma educação de qualidade”.

O principal problema, de acordo com vários alertas da UNICEF, parece residir na língua. A maioria das crianças de Lao Cai não sabe falar vietnamita quando chegam à escola, e os professores não conhecem os seus idiomas maternos. Por isso, devia ser dada máxima prioridade ao ensino bilingue, de acordo com Gay McDougall, especialista das Nações Unidas, que esteve, este Verão, no Vietname em missão durante dez dias.

Mas durante a caminhada, os turistas não encontram crianças apenas no recreio desta escola. Mais à frente cruzam-se com um grupo de meninas que transporta lenha, e depois com outro que transporta arroz. A confirmar as estatísticas, estas raparigas mostram como nem todas as crianças têm sequer a oportunidade de ir à escola.

Enquanto os mais pequenos lutam, na escola ou fora dela, contra as adversidades; as suas mães descem o vale ao lado dos estrangeiros. O desenvolvimento do turismo nesta região veio alterar profundamente os hábitos destas pessoas. Antes, as mulheres ficavam a tratar dos arrozais ou a tecer, agora criam peças de artesanato para tentar vender aos visitantes e caminham a seu lado.

Aprender inglês

Todos os dias estas mulheres percorrem quinze quilómetros antes do sol nascer, desde as suas casas no fundo do vale até ao sopé da montanha onde se encontram os hotéis; e depois outros quinze quilómetros montanha abaixo ao lado dos caminhantes. Tudo para poderem ganhar algum dinheiro que usam no mercado a satisfazer as necessidades mais básicas. Num dia com os turistas podem conseguir dez a quarenta euros, depende da sorte que tiverem. De qualquer forma, é muito mais do que ganhariam no cultivo do arroz, cujo quilo vendem a menos de quinze cêntimos.

Mudam os hábitos e também as modas. Por exemplo, os ganchos metálicos tradicionais que as mulheres da tribo hmong negro costumavam usar a prender o cabelo foram substituídos por pentes de plástico muito coloridos. Espetam-nos na parte de trás da cabeça como um adorno, como se fosse uma estola.

Às três raparigas que acompanham o grupo desde o início da caminhada, foram-se juntando mais. Dão a mão para ajudar a atravessar riachos e vão conversando com os turistas. Podem não saber falar vietnamita e sentirem-se ostracizadas da cultura dominante do seu próprio país, mas já começaram a desenvolver o inglês e aprendem muito sobre a cultura ocidental através destas conversas.

A população hmong é constituída por 550 mil pessoas e subdividem-se em seis grupos: os hmong brancos, negros, chineses, vermelhos, verdes e os Ha Mieo. Tradicionalmente, dedicavam-se à agricultura e pastorícia, mas sempre desenvolveram também algum artesanato. Dentro de casa, têm vários locais de adoração aos espíritos da cozinha, da sala ou da porta, por exemplo. Os objectos que tentam assim vender aos turistas fazem parte da sua cultura ancestral.

O grupo de caminhantes está a chegar ao fim do vale. Só agora é que as mulheres tentam vender algum artesanato. Uns turistas não resistem e compram bijutaria, outros ficam irritados com aquilo que consideram uma atitude mercantilista. Elas continuam a caminhada até casa, onde vão pernoitar ao passo que os estrangeiros são transportados de camioneta para os hotéis. O sol começa a esconder-se atrás das montanhas e a temperatura do ar baixa bastante. As crianças mais sortudas saem da escola e vão a pé até casa, outras recolhem-se nas camaratas; enquanto as menos afortunadas que não frequentam o ensino, terminam o dia de trabalho no campo.

CAIXAS

As gentes do Vietname

Estima-se que em Julho de 2010 a população total vietnamita já ascendesse aos 88 milhões e meio. Desses apenas 28% habita em zonas urbanas. A maioria da população é composta pelos viet ou kinh (76 milhões) e o grupo minoritário mais populoso é os Tai (um milhão e meio). Algumas destas tribos vieram das terras que actualmente pertencem à China ou à Tailândia e estabeleceram-se nesta região há mais de 1000 anos. Outras, como os colao, imigraram há somente 200 anos.

De acordo com o último censo (de 1999) 80% dos vietnamitas não professavam qualquer religião, 9,3% eram budistas, 6,7% católicos, 1,5% hoa hao e 1,1% cao dai.

Os refugiados hmong do Laos

Os hmong começaram a estabelecer-se no Vietname no século XVIII, em busca de terras mais férteis e para se afastaram de alguma instabilidade política que se vivia na China. Embora não haja dados exactos, supõe-se que actualmente a maior concentração deste grupo étnico ainda se encontre na China e, logo a seguir, no Vietname. Mas os mais mediatizados talvez sejam os que se estabeleceram no Laos, por terem lutado contra os comunistas.

Durante a guerra do Vietname, a CIA recrutou mais de 60 mil hmong das Forças Armadas Reais do Laos para formar um grupo secreto que teria o objectivo de cortar as linhas de abastecimento dos comunistas e resgatar pilotos norte-americanos. Com a vitória dos comunistas e a retirada americana, muitos hmong refugiaram-se nos Estados Unidos e na Tailândia, outros esconderam-se na selva.

Nos últimos anos tinham-se estabelecido negociações para enviar muitas destas pessoas da Tailândia para a Holanda, Austrália, Estados Unidos e Canadá. Mas em 2009, de acordo com alguma imprensa internacional, como o New York Times, a BBC e a Time, a Tailândia começou a enviá-los para o Laos, onde foram muito mal recebidos e colocados em campos de detenção.

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